Regresso sempre à quietude das árvores, esses animais de madeira, pé único fincando na terra sem necessidade de caminhar. […] Comove-me a hipótese de essas plantas gigantes se expressarem de facto, como se, verdadeiramente, vivessem num estádio de consciência avançada grandemente insondável para a nossa dimensão ainda ansiosa. Talvez as árvores nos assistam, pensem sobre nós, espantadas com o frenesi em que nos metemos. […] As árvores são assim por definição. Expõem o corpo à lei da gravidade, mas o que significam é mais da dimensão da leveza. São animais de voo porque repassam o vento, reagem ao vento, como se descessem o céu ao rente da terra. Emanando do chão, são verticais e também se suspendem. Pensam os pássaros que elas pairam, como nuvens de folhas. Nuvens baixas camufladas. […] Crescem, há mais de vinte anos, árvores magras à janela do meu quarto. Conheço-as como gente que se esqueceu do caminho para casa e parou para pensar.
Valter Hugo Mãe, revista P2