Não sei bem com que idade comecei a ser o escrevedor de cartas da minha avó. […] As cartas […] são ou foram, por milénios, um património de todos: comerciantes e enamorados, enclaustrados e viandantes, poderosos e humílimos, irrazoáveis e proféticos, letrados e analfabetos. […] Pela vida fora tenho procurado preservar nessa escrita do quotidiano, com grande proveito para mim, pois possuo uma quantidade preciosa de histórias associadas a cartas. […] A troca epistolar […] é uma abertura de mundos que acontece, como sempre acontece quando essa é uma prática verdadeira, de maneira livre, lenta, imprevisível e secreta. Uma das coisas que aprendi foi que uma carta começa pelo envelope, pelo selo, pelo papel e que essa materialidade (escolhida, retrabalhada) participa desse encontro sem palavras que uma carta pode significar. Podemos habitar a mesma cidade ou a mesma vida e guardamos para as cartas aquela porção de real, de confidência ou de desejo que depende desse assombroso idioma que só as cartas falam.
José Tolentino Mendonça, revista do semanário Expresso
ouvi história semelhante dias desses, e a imaginação voou para outros arredores de mim.