Estou a falar-vos da minha vida precária e mutante. Revejo-me, por antinomia, em Monsieur Tabard, comerciante de sapatos [no filme] ‘Baisers Volés’ [de François Truffaut]. Tabard julga que toda a gente o detesta ou odeia. Mesmo a porteira do prédio encolhe os desdenhosos ombros quando ele fala. E a mulher dele, que se veste com a rutilante beleza de um milhão de francos, ri-se de tudo o que ele diz, salvo quando ele diz uma piada. Incomodado com essa conspiração permanente, que tanto o magoa, Monsieur Tabard quer mudar. Comigo é pior: anima-me a ideia de que toda a gente me ama, a porteira que não tenho, a minha mulher que, com a rutilante beleza de um milhão de euros, se ri, magnânima, das minhas raras graças. É uma crença insustentável […] tanto o milhão de euros como o amor ubíquo. Farei como Monsieur Tabard, que pediu ajuda a uma agência de detectives. Pedir-lhes-ei que investiguei o amor dos leitores, o amor até da menina que me serve a bica matinal.
Manuel S. Fonseca, revista do semanário Expresso
Obrigada
🙂