O espectáculo da transformação [do outono] dialoga com as mudanças que nós próprios experimentamos e que nem sempre sabemos conduzir. Para sermos os mesmos, para aprofundarmos aquilo que somos, temos de mudar muitas vezes. […] O outono é um convite à contemplação. Mas para isso – e é também um desafio outonal – precisamos reencontrar o silêncio, a concentração, os caminhos despovoados, a nossa própria solidão que nos acalma. Precisamos colocar um casaco, as velhas botas nos pés e sair, sem esquecer a importância de fazer paragens, uma pausa que nos ajude a descobrir sob a paisagem coberta de folhas mortas o pulsar intenso da vida. Os contemplativos sabem o valor desta vagabundagem que lhes devolve não o gosto macerado de uma vida extenuada, mas o sabor de uma promessa maior do que a vida.
José Tolentino Mendonça, revista do semanário Expresso